Ia
escrever calcado em informações: letra do disco, data de lançamento
online, realizadores. Tentei, hesitei, desisti. Música, pra este que
aqui digita, é sensação. E são as minhas pessoalíssimas e
subjetivas sensações – além de um ou outro raciocínio
cartesiano - com esse disco duplo que virão, entonces. (Ah, bom
avisar: curto INVENTAR contrações, grafar palavras em CAIXA ALTA
inadvertidamente e não curto muito o último acordo ortográfico.)
Isso
posto, vamos lá.
Acompanho
o Cascadura há alguns anos. Lembro d'algo de divulgação na época
em que lançaram o Bogary, em 2006, pela OUTRACOISA, extinta revista
do Lobão – que lançou, entre outras pérolas, o “As Próximas
Horas Serão Muito Boas”, último disco da Cachorro Grande que me
dá alguma coceirinha, mas enfim, isso é outro papo, já.
Mais
relevante que isso, creio, foram as constante veiculações – até
hoje? Alguém confirma? - de “Jóia da Princesa”, do álbum
“Vivendo em Grande Estilo”, na Unisinos FM, aquela rádio que,
sabem alguns, foi como uma religião, pra mim, até 2007, 2008 talvez
e que, desde'ntão, só me decepciona - “mas enfim, isso é outro
papo, já”(2).
É
do “Vivendo...”, também, uma das músicas que considero entre as
mais FODAS qu'eu conheço em (rock escrito em) português: “Queda
Livre.” Mas sobre essa nem vou entrar em questão, senão me perco
e a coisa vai enveredar pr'outro lado. Só digo isso: PROCUREM,
ouçam, percebam.
Agora,
falando propriamente sobre o “Aleluia”...
Há
mais de um ano (talvez dois?) ouço falar sobre o novo disco do
Cascadura. Em 2009, quando soltaram “Rosemary (a Carne é Fraca)”
deu pra matar um pouco da curiosidade sobre algo novo, apesar de ser
uma faixa BEM diferente do que viria. Sabia que o conceito do álbum
tinha Salvador como centro, que teria participações especiais, etc.
Mas sei lá, não esperava TANTO.
Aleluia
tem a medida da ambição que as boas coisas devem ter para alcançar
seus objetivos. E o que me deixa mais feliz é ver um disco DE ROCK
tendo essa vontade de dialogar com tanta coisa diferente. Sempre que
penso no rock nacional em comparação ao gringo fico um tanto
desapontado justamente por isso: lá fora (cert)os caras querem (ou
os grandes ícones, no passado, queriam) falar a todos os públicos.
Desejavam ultrapassar os “guetos culturais”, criar (ou pelo menos
tentar) algo novo.
Essa
pretensão artística da qual sinto falta de forma geral aqui (na
terra brasilis) está presente no álbum recém-lançado do
Cascadura: mistura a tradição (brasileira, baiana) com guitarra sem
apelar pra clichê, e ainda dialoga com estilos contemporâneos de
outras terras, tentando apontar algo NOVO. Alcançar esse “novo”
é consequência – e eu acho que o Fábio Cascadura e o Thiago (meu
xará!) Trad & amigos conseguiram. Simplesmente tentar já é
digno de aplauso.
Considerações
música a música
Aleluia
– abrindo o álbum com metais “emprestados” do Móveis
Coloniais de Acaju, uma música qu'eu considero tocante, misturando
uma dose de sensibilidade com a “energia” que lhe dá uma
animação positiva. Quando me dei conta da letra vi toda a dimensão
que esse tema tão pouco explorado - a saber: a vida amorosa de um
deficiente visual - tinha de carga emocional. E que refrão GANCHUDO,
daqueles que dá vontade de encher o peito de ar e canta junto!
O
Rei do Olhar – li sobre a baritone guitar usada nessa
faixa e já SALIVEI por tocar em uma, hehehe! Primeiramente não
tinha percebido diferença de timbre, mas hoje já ouço
(principalmente nos primeiros acordes) o som característico, mais
grave, dessa seis cordas específica. Mais uma daquelas letra do
Fábio que não são fáceis de decorar (pra cantar junto) mas são
um achado pra quem tem a atenção de ouvir. E que “RIFF” de
bateria nos versos, heinhô?! Rockão dos bons.
Lá
Ele! - aqui começa a se mostrar as (benditas) garras. Aparece a
primeira percussão religioso-afro-brasileira (invento termos, OK!)
misturada a uma letra “indireta”. Canção marcada pelo
contrabaixo, segundo lembro d'um post no blog A Ponte (ou seria na
página da banda no Facebook?), Fábio explica fazer referência a
história (GENÉRICA) de um usuário de crack. Coisas de Salvador e
do mundo.
A
Mulher de Roxo – aqui a primeira participação “famosa”:
Pitty divide os vocais com Fábio Cascadura. Me impressiona o
“ataque” dos versos. Vê-se que são racionalmente ligados
foneticamente, mas parecem jogados por rimadores a esmo, pela
velocidade. O refrão sem clímax - daqueles em que tu espera um
esporro nos pratos da bateria e fica com aquela ânsia até ver a
volta ao verso – mostra que as obviedades não são uma opção
recorrente, aqui. “Com olhos de quem vê o final/ Nos deu sua
mercê.”
Simples
como a Vida - “Futuro é/ A palavra-chave...” Com esses BAITA
versos começa uma balada de derreter gelo e fazer querer cantar
junto (sabe quando tu tem vontade de cantar a música
INDEPENDENTEMENTE da letra, só pela melodia? É isso...). Guitarra
(com um belo efeito do qual não sei o nome) pontuando os versos,
certeira. Sinto nessa e em outras músicas um eco de Radiohead –
talvez loucura d'um fã dos ingleses, talvez simplesmente influências
comuns. Mais um refrão pujante, vocalizações. E o pianinho, só
pra deixar a coisa (ainda mais) CLASSUDA.
Soteropolitana
– Como o próprio Fábio cita no blog, essa é de influência
stoneana até a última gota – mas claro, sob novos filtros.
Considerações sobre Salvador, sobre a terra natal (do autor, no
caso), o porto ligado ao além-mar com pitadas de citações
pop/históricas. E quando tu pensa que acabou e tu já ouviu tudo vem
o final te lembrando que, oras, estamos falando de uma terra de
carnaval.
Os
Reis Católicos – livremente inspirada na história, tem-se uma
letra bonita que retrata, envolta por uma balada levíssima, o
“descobrimento” da América. Um instrumento de sopro que dá o
toque medieval(?) e leva a mente aos cenários dos livros de história
do colégio. “Ponhamos tudo na conta de Deus/ que dele somos
servos/ Ele apenas É.”
Uma
Lenda de Fogo – um rock simples, bateria marcante e mais
percussão afro. A prova de que é possível fazer algo com ritmo
marcante, alegre, misturando guitarradas e sem cair nas letras
monossilábicas!
Resumindo
– TECLADERA logo de início lembrando soul/blues/gospel. Batera que
entra pouco antes do refrão demarcando bem seu lugar. E um refrão
contagiante, daqueles de cantar batendo palminhas (a la Stevie
Wonder, hehehe). “Resumindo/ Vai seguindo...”
Chorosa
– Balada-de-piano que muita banda de pop-rock daria UM BRAÇO pra
fazer. Aqui, nada muito arrojado, uma folga pro ouvinte acalmar os
ouvidos e acompanhar a letra num álbum que, enfim, está só na
metade.
Colombo
– Riff simplíssimo, mas acompanhado de forma CERTEIRA pela
percussão(?!) e pela RABECA (uma espécie de violino?)! Essa, a
primeira música do Aleluia a ser divulgada, me deixou numa
curiosidade dos diabos. Nela notei pela primeira vez a “levada
radioheadiana” - a condução da bateria, a partir de sua
entrada, me lembra MUITO o que faz o Phil Selway no Radiohead, além,
é claro, da guitarra “etérea”, com seus efeitos. A letra me soa
como a oração de um náufrago que, vindo ao Novo Mundo, vê seu
navio definhar em alto mar em plena madrugada e, na manhã seguinte,
acorda desavisado na praia.
“Agora,
qualquer sensação fajuta nos faz chorar de emoção.”
Entremos
no disco dois – uma vez que falamos de um álbum DUPLO.
O
Delator – Uma das minhas letras preferidas – não vou
destacar nenhum verso pois teria que fazê-lo com a letra TODA! -,
seja pela entonação, pelas soluções de rima, pela figuras que
traz a mente. Riff que remete a minha banda predileta (o QotSA*)
e sua conhecida “Little Sister”. Rock simples (com MAIS UM refrão
irresistivelmente cantável do disco) mas certeiro.
Cabeça-de-Nêgo
– Refrão pesado tanto nas vozes quanto na condução percussiva.
Verso mantendo uma “tensão” que prende quem ouve – também
pesado como o refrão, apesar de menos estridente. E quando menos se
espera aparece – rapidamente – uma percussão pra quebrar o
óbvio. Final seco.
Dava
pra Ver – A mais psicodélica de todas, seja pelo instrumental,
seja pelos versos. O Ronei Jorge, cara que divide os vocais com o
Fábio Cascadura, tem o sotaque mais “derretido” qu'eu já ouvi –
SEJA LÁ o que for qu'eu quis dizer com isso, hahaha! Mais uma batera
de levada radioheadiana na ponte da música. Uma das minhas
preferidas, certamente. “Dava pra ver/ dava pra ver...”
A
Verdadeira – Sei lá, ouvindo os primeiros 10 segundos – com
todos aqueles sopros floreando a melodia - acho que não tem muito o
que falar sobre, hehehe. O interessante é que esses sopros criam uma
espécie de fio condutor durante o som, e me trazem a mente,
nitidamente, a imagem de um equilibrista, movimentando-se ao soar de
cada um deles para manter-se na corda. E a mudança de andamento
quando entra a bateria. Nada muito racional, enfim.
To
your Head – Como (alguns) sabem, sou meia-boca no inglês –
pra não dizer pior que isso. Logo, sem considerações sobre a
letra. Aqui o que se sobressai é, mais uma vez, a mistura que há
DÉCADAS cai de maduro na música brasileira e que só agora, com o
Cascadura, é feita: a batida dos tambores (notadamente das canções
religiosas) afro-brasileiras com a guitarra e orquestrações(?). Mas
o melhor exemplo disso vem a seguir...
O
Cordeiro - “Ninguém me convidou/ eu vim aqui ver...”
Percussão forte, marcante e, talvez surpreedentemente (pr'alguns)
PESADA. Guitarra entrando a la Led Zeppelin, bateria
minimalista, marcando o ritmo e deixando a percussão mais aguda
“solar”. Letra focando peculiaridades do carnaval “popular”
de Salvador. Final etéreo, espacial.
Sonho
de Garoto – Sinceramente acho a faixa mais fraca do disco
(apesar de trazer referências que me tocam em situações pessoais)
mas, ainda assim, uma bonita canção. Participação famosa do Beto
Bruno, da Cachorro Grande. A citação ao Lobão – aquele cara de
ótimas entrevistas e shows masomenos – é bem legal, faz cantar
automaticamente. “Eu correndo/ ela quis voar/ eu um chumbo/ ela um
sopro no ar.”
Nunca
Imaginei – “Nunca imaginei/ ir um dia e não voltar.”
SINCERAMENTE, a música que menos ouvi do disco. No entanto, bom
ressaltar, mais uma balada daquelas que a banda sabe fazer desde
sempre. Bonita, daquelas pra sair assoviando poraê... E belas,
também, são as vocalizações – coisa pouco trabalhada por esses
pagos, infelizmente.
O
Tempo Pode Virar – Se em “Colombo” o incauto colonizador
reza pela própria alma e pela ansiedade do desconhecido, aqui o tom
é de positividade com o que vem a ser. Seja na levada empolgante –
conduzida principalmente por uma simples linha de contrabaixo – ou
na letra desavergonhadamente otimista. Vontade de sair cantando a
plenos pulmões. Primeira que me fez pegar o violão pra tentar
deCIFRÁ-la (percebam o jogo de palavras). “Mas já que chegamos
aqui/ resta-nos caminhar/ pra onde? Eu não sei não.”
Um
Engolindo o Outro - “De alguns cortaram asas/ de mim (...)”
Blues torto com o peso de uma marcha. Sem mais.
Cantem:
Aleluia! - Despedidas que se prezem tem violões e trens, e a
última canção do Aleluia faz jus a essa máxima inventada agora
por esse escriba qu'aqui digita. Música que chama por “não-lugares”:
estações, portos, terminais. Mais vocalizações trabalhadas e
referências ao soul. “Cantem Aleluia!/ é mais que areia é mais
que sal/ é água viva, quem a beber se liga em tudo.”
Essas
são só considerações soltas com intuito de gerar curiosidade pela
música. Corram atrás.
E
por último, mas (acho que) não menos significativo: eu não tenho o
costume de comprar discos em formato físico HÁ TEMPOS, mas esse eu
faço questão – e, dependendo do preço, compro mais de um, como
fiz com o Gotham Beggars Syndicate, da Damn Laser Vampires, hehehe!
*Quanto
ao QotSA (ou Queens of the Stone Age) outra comparação: seja
dividindo vocais ou na execução instrumental, o Aleluia tem MUITAS
participações de outros músicos. Isso, claro, enriquece o produto
final e me lembra o que o Josh Homme faz(ia) nos discos da(s) sua(s)
banda(s), levando pra estúdio caras como Mark Lanegan, Billy
Gibbons, Dave Grohl, Jack Black, Alain Johannes, PJ Harvey...
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